Amor (co)dependente – será que você está em uma relação abusiva?

__ Oi linda! Tô indo aí na sua casa pra te pegar. To organizando uns livros meus e…  lembra que você se dispôs a me ajudar com a bagunça? Faz um tempão que você está me cobrando de passarmos o sábado a tarde juntos né.

__ Ah… falei, mas… puxa amor, justo hoje que é o churrasco do pessoal da faculdade!!

__ Ah… é hoje? Entendi! Vai lá então, não tem problema! Eu me viro sozinho.

__ Será que não daria para fazer isso amanhã… no domingo?

__ Você sabe o quanto eu trabalho durante a semana. O domingo é para eu relaxar! Mas não tem problema, vou ver se eu chamo alguém, então, para me ajudar.

__ Ah é… quem você vai chamar?

__ Ah, sei lá, acho que vou chamar o Pedrão.

__ Ah não, o Pedrão não! Você sabe que esse seu amigo não presta!

__ Engraçada você! Sempre implicando com meus amigos. Nunca ninguém presta pra você!

__ Você já se esqueceu que foi o Pedrão que te empurrou pra cima da Sandrinha naquele churrasco e você fez a maior besteira e quase terminamos o namoro?

__ Tá vendo… não dá mesmo pra convidar você pra nada. Está sempre arrumando confusão e com ciúme de todo mundo. Esquece de passarmos a tarde de sábado juntos.

__ Peraí amor… não quero brigar com você. Vou ligar pro pessoal do churrasco e vou cancelar. Pode passar aqui pra me pegar.

__ Você tem certeza? Depois não vai ficar jogando na minha cara que eu atrapalho a sua vida com seus amigos.

__ Não… não. Eu dou qualquer desculpa pra eles e fica tudo bem.

__ Então tá bom. Separei o dia de hoje porque faz tempo que você está me cobrando para passarmos o sábado juntos e que eu só ligo para os meus amigos…

__ Eu sei… eu sei amor! Tô te esperando, tá!

__ Tá bom então. Tô indo aí.  

 

E fica a dúvida! Como saber se você está em um relacionamento no qual você não percebe que está sendo controlado, manipulado e perdendo a capacidade de discernir entre seus direitos e vontades?

Esse tipo de relacionamento abusivo não acontece só de homem para mulher. Ela sendo passiva e submissa. Não! Acontece com gêneros iguais, diferentes, no âmbito familiar, profissional, acadêmico, social, político, enfim, nos mais diversos tipos de relações interpessoais. Mas vou me ater aqui aos relacionamentos amorosos. 

De acordo com os estudos psicanalíticos, as relações têm como modelo as experiências vivenciadas na infância. O ser apaixonado revive em suas relações, não só os amores e os cuidados obtidos na infância, mas também as dores, o fracasso e os sentimentos de abandono. As relações amorosas, também, são movidas pelo nosso desejo. Buscamos os modelos de relações que conhecemos, na maioria das vezes, de forma inconsciente.

Por isso é importante estar atento a certos padrões de relacionamentos que sem perceber repetem-se a cada troca de parceiro(a). 

O processo terapêutico é uma alternativa na busca de ajudar a lidar com os relacionamentos amorosos e a trabalhar em si um modo equilibrado de poder se relacionar com autonomia em um processo em que cada um possa se relacionar de modo saudável e mantendo-se independente sempre buscando maturidade emocional.  

Mas… como saber se o seu relacionamento está no âmbito da dependência do outro?  Como perceber se aquela pessoa que apareceu em sua vida foi adequada? Afinal essa pessoa diz que faz tudo por você, mas não é reconhecida por todo o sacrifício e, ainda assim, tudo parece tão confuso. Ao mesmo tempo em que você sabe que tem algo errado, fica difícil de identificar o que é e que pode ser tudo da sua cabeça. Ufa, quanta dúvida!

Mas existem algumas situações que acontecem nos relacionamentos abusivos e que vou exemplificar. Se algumas delas forem muito frequentes em um relacionamento que você teve ou está tendo, pode ser que você possa estar passando por uma situação dessas. Aqui vão alguns questionamentos:

  • Por algum motivo, você não sabe o qual, essa pessoa está lhe impedindo de sair com seus amigos ou tentando lhe convencer de que seus familiares não estão do seu lado e que se não fosse essa pessoa você provavelmente estaria desamparada(o) e sozinha(o)?
  • Antes de sair de casa a pessoa lhe convence que sua roupa é totalmente vulgar, cafona ou fora de moda e diz que não sai de casa se você não trocar de roupa?
  • Você não sabe como, mas mesmo à distância, essa pessoa controla o lugar que você vai frequentar e que companhia seria mais adequada para você sair?
  • Essa pessoa lhe convence a excluir certas pessoas do Facebook e sair de certos grupos de WhatsApp por achar inadequado para uma pessoa como você?
  • Por acaso, nas inúmeras discussões que vocês têm, por algum motivo, você está sempre errada(o) e acaba por sempre pedir desculpa mesmo que no início da discussão você tinha certeza de que estava certa(o) mas, por alguma coisa que foi dita, e você não sabe ao certo o que foi, ao final você é sempre (a) (o) culpada(o)?
  • Essa pessoa faz você se sentir inferior e que se não fosse ela na sua vida, você provavelmente estaria sem ninguém?
  • Quando você tem, por um momento, uma leitura mais realista da relação e percebe que é melhor pedir um tempo e a pessoa logo lhe convence de que dificilmente irá encontrar alguém que lhe faça tão bem e que te ame como ela?
  • Essa pessoa usa de argumentos que faz você se sentir inferior, gorda(o) e estressada(o) e que se não fosse ela você com certeza poderia estar sozinha(o) e que no final das contas ela é uma benção na sua vida?
  • Quando vocês vão para a balada essa pessoa se afasta de você, fica mais com os amigos, dificilmente expressa situações de carinho e quando você cobra por atenção ela inverte tudo e ainda diz que você é quem estragou a noite?
  • Você tem uma promoção no emprego e ela automaticamente lhe faz se sentir culpada(o), pois você não está nem ligando para as dificuldades que ela tem passado e sua alegria vai embora rapidinho e ainda lhe faz se sentir culpada(o) e egoísta?

Como se não bastasse depois disso tudo, essa pessoa ainda termina o relacionamento com você dizendo que você estragou um relacionamento que tinha tudo para dar certo, mas você sempre estragava tudo e que essa pessoa ainda insistiu até o final, mas foi impossível continuar, pois você sempre estava complicando tudo. E estando completamente na fossa você se lembra que antes de conhecê-la(o) sua vida era leve, calma e você até que era bem feliz. E no final de tudo essa pessoa lhe convence e te deixa a certeza que você nunca irá achar alguém que tenha se importado tanto quanto ela e que amor como esse você dificilmente irá encontrar novamente. Como acabou se afastando de todos os seus amigos e amigas você se sente solitária(o) e começa a se convencer que você fez uma burrada em terminar com alguém que sempre fez de tudo por você. Ou seja, você está em uma teia de manipulação, totalmente dependente da pessoa, achando que valeria a pena tentar, pois a história de vocês era linda e coisinhas insignificantes não deveriam atrapalhar uma relação de tanto cuidado e proteção. Assim você fica convencida(o) de que é impossível ser feliz sozinha(o).

Caros… é a hora de acordar!!! Liberte-se dessa teia de confusões onde você foi parar. Faz tempo que você parou de olhar o mundo lá fora. Procure algo para sair desse contexto maluco ao qual você se pôs. Medite! Volte para a academia! Faça um curso! Procure por terapia! Dance sem se preocupar, acabou o controle! Você está livre para começar do zero, agora você é dona(o) de si mesmo novamente! E tenha a certeza que a vida está aí para ser vivida e que ela não é tão complicada como muitos dizem!

Termino com um trecho “flash back” da canção romântica de Joanna…

Fale quem quiser falar

Desse jeito não dá pra ficar

Vou dar um tempo

Tudo o que eu podia eu fiz

Vou tentar de novo ser feliz vou dar um tempo

Mas eu quero te deixar e não consigo

Bate forte o coração e começa a minha indecisão

Uma parte quer viver

Outra parte diz que sem você não vale a pena

Penso em tudo que ficou…

 

Cristiane de Lourdes Jacóia Silvestrini é Psicóloga Clínica de abordagem psicanalítica e Psicanalista. CRP: 06/118299 (psicologa@cristianesilvestrini.com.br)

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