Você tem fome de que?
Como iniciar a nossa conversa sem parar para pensar em pizza, um bom churrasco à moda gaúcha, comida italiana, comida japonesa, comida mineira, entre outras. Sem falar também nas inúmeras opções de sobremesa como pavê, pudim de leite condensado, torta holandesa, petit gateau e assim por diante. Não há como negar que há muito prazer em poder desfrutar dessas delícias. Mas a minha intenção é a de alcançar uma questão que vai além de matar a fome.
A fome não é apenas aquela que sacia uma necessidade do corpo, ou seja, apenas orgânica, mas de um alcance que envolve o emocional.
É muito comum assistirmos a um filme de romance que, quando a mulher está muito triste por conta de uma briga ou de um rompimento com o namorado, ela avança em um pote de sorvete ou devora um bolo de chocolate. Isso não é apenas uma reprodução de uma ficção, é de fato uma necessidade emocional que precisa ser preenchida a qualquer custo. Assim essa necessidade pode vir através da comida ou de qualquer outra fonte de prazer. Mas vou me ater aqui a comida.
Desde os primórdios de nosso desenvolvimento enquanto bebês o alimento tem um aspecto que vai além de saciar a fome. Quando o bebê chora de fome ele experimenta isso como se fosse um desconforto físico, mas assim que o leite materno ou a mamadeira são apresentados a ele, a satisfação toma conta do bebê e ele se acalma. Mas isso acontece não apenas pela saciedade. É que todo esse processo de alimentar está carregado de muito afeto. Associa-se tudo isso a uma sensação de carinho e aconchego, onde o contato físico com a mãe fica inscrito no processo de alimentar-se com sentimento e afeto.
Assim o alimento sai do aspecto apenas físico para ocupar uma dimensão ainda maior na vida das pessoas. A partir disso, entende-se o ato de alimentar como uma forma inconsciente do indivíduo também alcançar um estado de segurança e amparo.
Mas então o que faz com que o indivíduo possa perder o controle desse processo e chegar a um ponto que ultrapasse o saudável para o ato de alimentar-se?
Existem vários fatores que colaboram para o processo de obesidade e riscos à saúde. Uma pessoa imatura, frágil emocionalmente e muito sensível à frustração pode encontrar na comida uma forma de compensar a falta de afeto que sente e interpretar que, de fato, nunca recebe atenção e carinho da maneira que merece. Assim, a comida começa ser a busca de um recurso para conter os sofrimentos sendo entendida e simbolizada como o objeto capaz de sanar a angústia pelo vazio que aquela pessoa sente.
Não podemos deixar de citar a questão da baixa estima que acomete muitas pessoas que sentem que não se encaixam no padrão estipulado pela mídia e que lhe tiram todo o prazer de poder comer com tranqüilidade.
Normalmente esse processo se intensifica na adolescência onde os jovens começam a se preocupar mais com a sua aparência.
Para entender esse processo da construção da auto-estima, ela é remanescente do sentimento de onipotência que a criança vive na sua infância. Nesse período ela cria um ideal que é sustentado por uma imagem que para ela foi construída através de seus conceitos internos de como uma pessoa pode ser bonita e saudável. No entanto, se esse ideal for de um padrão muito alto de estética ou distorcido pelas influências externas ele pode gerar um alto grau de insatisfação no qual o indivíduo vive em constante conflito com seu corpo. A partir disso podem surgir patologias como a Bulimia e a Anorexia que têm acometido intensamente os jovens e que repercutem nos problemas de saúde pública alavancando índices que se tornam alarmantes.
Há também a situação antagônica da mídia que cria estereótipos de uma pessoa que possa ser aceitável ou que esteja dentro dos padrões por ela estipulados, mas por outro lado nunca se investiu tanto em programas de receitas culinárias e ainda com a figura de homens com alto padrão de beleza e extremamente gentis, assim como mulheres de aspecto saudável e com muito prazer em cozinhar.
O fato é que o alimento é algo universal que reúne pessoas, amplia as reuniões sociais ajudando a estabelecer uma identidade, uma cultura de um grupo de pessoas.
Enfim, o importante é que a comida não precisa ser o “bom” ou o “mau” na vida das pessoas.
O vazio que toma conta do sujeito com a necessidade de suprir a angústia através do alimento pode ser também o caminho para descobrir e buscar a verdadeira falta que acomete o sujeito.
A comida pode ser o “bem” prazeroso ou, por um período da vida, algo a ser melhor trabalhado por gerar alguns desconfortos, mas ela sempre será uma busca de interação social, identidade de um grupo ou uma desculpa para encontrar alguém.
Seja o que for, o alimento pode sair do campo de apenas um prazer fugidio e ser acalanto e bem estar. Termino aqui brincando com “Titãs” e lhe pergunto: “você tem fome de quê?”
Cristiane de Lourdes Jacóia Silvestrini é Psicóloga Clínica de abordagem psicanalítica e Psicanalista. CRP: 06/118299 (psicologa@cristianesilvestrin
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