E o amor encontra um meio…

Amar: verbo intransitivo!!! Mas o curioso disso tudo é: quem disse que não precisa de um objeto? O objeto, aqui na expressão desenvolvida em uma linguagem psicanalítica, é o outro, que nos complementa, que nos proporciona a possibilidade e a capacidade de conhecer melhor a nós mesmos. Que nos dará a experiência de aprender a amar não só o outro, mas a nós mesmos.

“Amar verdadeiramente alguém é acreditar que, ao amá-lo, se alcançará a verdade sobre si”.

Em outras palavras, amamos alguém porque (no fundo, inconscientemente) esperamos encontrar alguma resposta sobre nós mesmos, sobre quem nós somos.

Alguns sabem provocar o amor no outro, os serial lovers – se posso dizer – homens e mulheres. Eles sabem quais botões apertar para se fazer amar. Porém, não necessariamente amam, mas brincam de gato e rato com suas presas. Para amar, é necessário confessar sua falta e reconhecer que se tem necessidade do outro, que ele lhe falta. Os que crêem ser completos sozinhos, ou querem ser, não sabem amar. E, às vezes, o constatam dolorosamente. Manipulam, mexem os pauzinhos, mas do amor não conhecem nem o risco, nem as delícias.

Mesmo um homem enamorado tem retornos de orgulho, assaltos de agressividade contra o objeto de seu amor, porque esse amor o coloca na posição de incompletude, de dependência. É por isso que pode desejar as mulheres que não ama, a fim de reencontrar a posição viril que coloca em suspensão quando ama.

Os estereótipos socioculturais da feminilidade e da virilidade estão em plena mutação. Os homens são convidados a acolher suas emoções, a amar, a se feminizar; as mulheres, elas, conhecem ao contrário um certo “empuxo-ao-homem”: em nome da igualdade jurídica são conduzidas a repetir “eu também”. Ao mesmo tempo, os homossexuais reivindicam os direitos e os símbolos dos héteros, como casamento e filiação. Onde uma grande instabilidade dos papéis, uma fluidez generalizada do teatro do amor, que contrasta com a fixidez de antigamente. O amor se torna “líquido”, constata o sociólogo Zygmunt Bauman. Cada um é levado a inventar seu próprio “estilo de vida” e a assumir seu modo de gozar e de amar. Os cenários tradicionais caem em lento desuso. A pressão social para neles se conformar não desapareceu, mas está em baixa.

Portanto, tu não estás aí à toa. Meu amor por ti não é só assunto meu, mas teu também. Meu amor diz alguma coisa de ti que talvez tu mesmo não conheças”. Isso não assegura, de forma alguma, que ao amor de um responderá o amor do outro: isso, quando isso se produz, é sempre da ordem do milagre, não é calculável por antecipação.

De todas as formas de amar, o amor encontra um meio. Aos iguais, aos diferentes, aos héteros ou não, aos jovens, meia ou melhor idade. Ele não tem época para acontecer. Aos 2, 5, 15, 25, 45, anos de casados, não importa ele resolve aparecer quando se menos espera. Quando se pensa que tudo já havia acabado, lá ressurge ele depois de processo de divórcio, de uma doença do cônjuge, de um recomeço de decepções do comportamento do parceiro ou parceira, quando se acha que não há mais nada para resgatar, vem ele de forma milagrosa nos mostrando que amar não existe receitas, regras, modismos ou mesmo época. E nos pega de surpresa novamente!

Até para aqueles que já achavam adormecidos para sempre no universo do amor, seja por mágoa, perdas, lutos simbólicos e reais ele remodela o coração e a batida mais forte agora não é mais por causa dos exercícios físicos ou o susto com o latido do cachorro no portão alheio. É a batida forte do amor novamente. Chegou sem pedir licença não respeitando idade, sexo e vontade.

Existe o que Freud chamou de Liebesbedingung, a condição do amor, a causa do desejo. É um traço particular – ou um conjunto de traços – que tem para cada um função determinante na escolha amorosa. Isto escapa totalmente às neurociências, porque é próprio de cada um, tem a ver com sua história singular e íntima. Traços às vezes ínfimos estão em jogo.

As duas vertentes distinguidas por Freud: ama-se ou a pessoa que protege, aqui a mãe, ou a uma imagem narcísica de si mesmo.

O problema é que os homens dizem não compreender o que querem as mulheres; e as mulheres, o que os homens esperam delas…Os amantes estão, de fato, condenados a aprender indefinidamente a língua do outro, tateando, buscando as chaves, sempre revogáveis. O amor é um labirinto de mal entendidos onde a saída não existe. Mas aí está a graça do amor: nada previsível e que nos mantém aquecidos em esquentá-lo.

 

Cristiane de Lourdes Jacóia Silvestrini é Psicóloga Clínica de abordagem psicanalítica e Psicanalista. CRP: 06/118299 (psicologa@cristianesilvestrini.com.br)

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